Textos


Usos e costumes


Em visita a uma exposição e revenda de plantas naturais, que já faz parte do calendário de eventos da cidade, e diante do grande fluxo de pessoas, inclusive eu, que estava ansiosa por adquirir uma plantinha - diga-se de passagem, uma mais linda que a outra –, me vi pensando no atual problema do consumo e racionamento de água, que aqui acolá, tem sido manchete nos principais meios de comunicações do país e que, desde que eu me entendo de gente, sempre fez parte da vida do nordestino, mas que, de uma forma ou de outra, sempre soube driblar a situação criando alternativas para preservar o pouco que tinha (e tem) em termos de recursos hídricos.
Assim matutando, não foi difícil voltar no tempo e lembrar que, em meados de 1977, quando pela primeira vez vim conhecer a cidade de Mossoró, fiquei abismada com a forma de armazenamento e racionamento de água por aqui e, principalmente, pela falta de plantas na cidade. Eu não concebia a ideia de não estar em meio ao verde da natureza, bem como, uma região tão quente como o Nordeste não arborizar suas cidades para amenizar, um pouco, a temperatura escaldante que castigava (e castiga) mais ainda àqueles que eram obrigados (e são) a saírem de suas casas em horas impróprias, entre as 10 e as 16 horas, para a sua labuta diária.
Questionando sobre o fato, me foi dito que tudo era uma questão de prioridade, pois a escassez da água na região não permitia desperdícios. Cheguei a duvidar e pensar que pudesse ser uma questão de hábitos. Passei então a observar aquela realidade tão nova pra mim.
Mas o que vi é que, embora na época já existissem alguns poços artesianos, a vazão de água não era suficiente para a população e o saneamento ainda não cobria toda a cidade. Assim sendo, as pessoas costumavam guardar a água em cisternas. Água essa coletada no período das chuvas. Aqui denominado de período de inverno.
O processo de captação das águas da chuva ia muito além de se colocar um balde na biqueira da casa e se fazia necessário, no período que antecedia as chuvas, limpar bem as calhas e delas retirar a sujeira acumulada durante a estiagem. A poeira do telhado era lavada naturalmente com as primeiras chuvas. A cisterna, por sua vez, também sofria o processo de higienização e só então estava pronto o sistema para poder receber água nova e limpa. Quer dizer, em parte, porque era também preparada toda uma engenhoca com calhas e tubulações que ligavam o telhado à boca da cisterna, onde se colocavam telas e tecidos grossos – de preferência fundos de redes, servindo como filtro para a água da chuva que, na sua passagem pelo telhado, trazia consigo todas as impurezas que normalmente se acumulam nesses locais.
Essa água tida como pura não recebia nenhum tratamento, e era utilizada, principalmente, para beber e no preparo de alguns alimentos. Vale salientar que as águas utilizadas no banho, louça ou na lavagem de roupas, eram reaproveitadas para lavar a casa, quintais ou aguar possíveis plantas.
O curioso disso tudo é que, esses hábitos que presenciei aqui, há trinta e oito anos atrás, e que muito chamou a minha atenção na época, hoje já não são mais novidades no Sudeste, que vivendo o problema da seca, e consequentemente, a falta de água no seu dia a dia, tem buscado incessantemente soluções que venham minorar tal sofrimento.
Como diz o velho ditado, “cada um sabe onde lhe aperta o sapato”. A seca do Nordeste sempre foi vista como algo a parte, tudo muito distante. Na verdade, apenas mais um problema sem grandes soluções. Hoje, no entanto, devido a outras regiões estarem sofrendo na pele as mesmas situações, percebe-se o foco nacional no fato! Quem sabe agora teremos vez e voz...
Voltando ao Nordeste... Hoje, embora ainda existam alguns poços artesianos ativos aqui na nossa cidade, o abastecimento de água provém da maior barragem do estado que, por sinal, também depende das chuvas e vem sofrendo muito, nos últimos anos – devido à longa estiagem em sua região – e, por isso mesmo, o seu nível está muito baixo.
Em decorrência disso, o controle em relação ao consumo de água tem sido uma constante, mas ainda não tão alarmante.
Embora os tempos sejam outros e o pensamento em relação às plantas também; mesmo que a oferta de água seja bem maior hoje, o uso consciente no consumo deste bem tão precioso se faz necessário, para que seja possível dividir a água nossa de cada dia com elas – as plantas –, e desfrutar de espaços mais bonitos e harmoniosos!
Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 21/03/2016


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr