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QUADRADOS, PAPAGAIOS OU PIPAS?


Da minha infância, muitas são as lembranças. Adoro a sessão “recordações”. Sempre que venho visitar meus familiares, passamos horas a fio rindo das nossas histórias e brincadeiras do tempo de criança. Voltar no tempo é, sem dúvida, uma das melhores terapias que já pratiquei.
Sou parte de uma prole de dez filhos (quatro homens e seis mulheres), onde eu sou a mais velha das mulheres e a segunda mais velha no cômputo geral; portanto, meus “causos” têm como protagonista, o meu irmão mais velho.
Quando eu contava com doze anos (mais ou menos), todos nós dormíamos num só quarto e, por incrível que possa parecer, todas às noites algo engraçado acontecia. Bolávamos de rir por qualquer coisa, isso até que meu pai gritava bravo lá do seu quarto, prometendo uma surra em cada um caso continuássemos com as risadas.
Parávamos de imediato, já com a primeira bronca. No entanto, bastava um de nós solicitar a bênção, para que, na sequência, todos pedissem a benção também, daí a bagunça recomeçava. Lógico que as risadas tinham que ser abafadas pelos cobertores.
Tudo era motivo de alegria, mas brigávamos também por nada. Tempo bom aquele em que a inocência imperava!
As brincadeiras eram mais saudáveis e, embora na escola não tivéssemos ainda as turmas mistas, em muitas das nossas brincadeiras já nos misturávamos com os meninos, sem nenhum problema aparente.
Uma dessas brincadeiras, (que me lembro com saudade) está relacionada as pipas, ou quadrados (como eram chamadas na época) feitas com armações de bambu, recobertos com papel de seda, cujo objetivo da brincadeira era colocá-las no ar (ou empinadas) e ver elas tremularem no horizonte.
Tinha também as “capuchetas”. Estas eram feitas apenas com jornal ou revistas velhas. Adorava observar a sua confecção. Sei cada passo de sua composição.
As primeiras recebiam denominações diferentes, conforme a estrutura, confeccionadas com varetas de bambu, linha grossa, papel de seda, cola (muitas vezes substituída por arroz cozido) e a rabiola, que podia ser feita com o próprio papel de seda ou com retalhos de pano. A segunda apenas com jornal, linha e a rabiola de papel. Assim sendo, tínhamos: os quadrados ou pipas de tamanho normal, barraca (pipas grandes e pesadas), pipas arraias (como o próprio nome sugere tinha formato de arraia e das capuchetas).
Ficava feliz quando depois de alguma insistência um dos meus irmãos me deixava empiná-las um pouquinho. Era incrível sentir, na linha, a força da pipa contra o vento.
Quanto a empinar capuchetas... Isso era moleza! Devido a sua estrutura mais leve, era muito mais fácil! O ruim eram as topadas, pois tinha que correr para frente, para dar impulso, mas ficava olhando alternadamente para trás, para ver se já havia subido o suficiente para plainar no ar.
Tirando o fato de que, vez em quando, mesmo sem querer, enroscar umas nas outras (causando confusões passageiras), olhar o céu colorido pelas pipas era um prazer inigualável!
Assim como os pensamentos ultrapassam os limites humanos, assim também como verdadeiros sonhos multicoloridos, as pipas planam magicamente ao sopro dos ventos...
Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 21/03/2016


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