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Mais um dia se faz, e enquanto me alongo, ainda deitada no silêncio que me envolve, o tic-tac do relógio me remete ao movimento do nosso coração... Interessante como ele ecoa incessante, em cada instante vivido. Horas com tanto vigor, quase rompendo o nosso peito; outras vezes tão calmo e sereno – como o meu, nesse instante, que mal o sinto bater. Geralmente, na imensidão dessa calmaria, enquanto a chuva não passa, para deixar a luz do sol brilhar, vou matutando o quanto de nós se perde enquanto perambulamos, de um lugar para o outro, buscando um norte, uma pista para os nossos passos.
Sinto que, embora donos do nosso livre-arbítrio, mantemo-nos atrelados aos muitos padrões de convivência, o que acaba nos limitando.
Surge assim a dúvida: somos de fato obrigados a seguir tais padrões? Se não, por que o fazemos?
Já conversei com muitas pessoas, a respeito desse assunto, mas, a culminância sempre é a mesma: obedecer a tais padrões pode tornar a vida mais acessível para a maioria. Os “padrões de comportamentos” são criados para tal fim.
Mas não podemos generalizar tais escolhas e seus respectivos resultados. A realização dos sonhos, ou etapas da vida, devem nos chegar como troféus individuais, mesmo que os caminhos sejam coletivos, ou seja, a nossa individualidade deve ser preservada, independente dos padrões sociais.
Não somos máquinas, portanto seguir a mesma trilha, roboticamente, o tempo todo, pode não ser a melhor coisa a se fazer. Precisamos ser parâmetros de nós mesmos, só assim haverá o verdadeiro crescimento. Ou não?
Numa averiguação rápida nas minhas conquistas, descobri que, em algumas situações, por alguma razão óbvia, haja vista às dificuldades financeiras familiares, não ouvi, em tempo hábil, o tiro de largada, e muito menos alguém me dizendo que já podia correr, o que justifica, em parte, os meus atrasos na linha de chegada. Mas reconheço, também, os inúmeros momentos de vitória, ou do sentimento do dever cumprido, que coroaram os meus feitos.
Isso vem corroborar com a ideia de que cada um tem o seu tempo de maturação. Não somos obrigados a seguir os padrões que nos são impostos. Portanto, não existe isso de andar ou proferir as primeiras palavras com a mesma idade, tampouco aprender a ler aos seis anos, ou ser rebelde na adolescência.
Se assim não for, sou totalmente atípica. Por uma questão ou outra, deixei de cumprir certas tarefas nos tempos socialmente estipulados, e não estou só nesse contexto.
Para se ter ideia dos meus descompassos: meu primeiro beijo, de verdade, foi aos dezoito anos e não tive festa de quinze anos – como a maioria das minhas amigas; casei-me aos vinte e dois anos e fui mãe pela primeira vez aos vinte e três; graduei-me aos trinta e sete – não aos vinte e cinco como era de praxe à época; não aprendi a andar de bicicleta ou dirigir moto ou carro, todavia nem por isso deixo de me considerar uma mulher emancipada.
Tem mais: comecei a passar a limpo os meus rabiscos literários aos sessenta anos, e só aos sessenta e quatro publiquei o meu primeiro livro.
Com certeza, se eu for atrás de mais curiosidades sobre os meus caminhos não percorridos, partidas e chegadas, que me completam, encontrarei aos montes.
É preciso entender que, a cada ciclo solar, estamos um dia mais maduros e o fôlego um pouco mais curto para correr atrás dos nossos ideais.
Portanto, encontre o seu próprio padrão e invista nele! O tempo é o agora.
Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 21/03/2020


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr