Textos


Recomeço



“A vida é uma sucessão de momentos, aprendidos ou não!”

A sensação de frescor das manhãs sempre a deixava mais disposta para a caminhada diária. Como de costume, olhou os dois sentidos da rua em que morava antes de transpor o portão. Tudo calmo. O horário favorecia aquela mansuetude. O silêncio que a envolvia deixava-a serena e mais receptiva aos sons peculiares que iam surgindo com os tímidos raios de sol.
Por falar em sol, o dia amanhecera um tanto nublado. Prenúncio de chuva em algum lugar por perto. Ou não. Olhou para o firmamento e agradeceu a oportunidade de vislumbrar mais um dia naquele plano.
De terço em punho, começou a debulhá-lo. Não sem antes, é claro, expressar, ao Deus do seu coração, os desejos mais sublimes de gratidão pelas benesses recebidas.
Embora serena, veio-lhe, à mente, alguns problemas que a torturavam desde o meio do ano. Aliás, um dos motivos de suas noites insones.
As mudanças ocorridas, desde então, faziam-na entender – sem que o seu coração aceitasse – o fim de algo que a completava, afetando, assim, em muito o seu bem-estar.
Perguntava-se incansavelmente – inclusive naquele momento – como arremataria aquela história em seu pleno pulsar? Como esvaziaria o seu coração repleto de sentimento? Como sublimaria tanta dor para não mais sofrer? Tais dúvidas cruéis permeavam os seus dias.
Embora ciente de que, na vida, tudo tinha um começo, meio e fim, assimilar racionalmente aquela situação não estava sendo nada fácil.
A história era outra quando o “quê” da questão eram os próprios sentimentos. “O quadro mudava totalmente de figura”.
O seu jeito “Pollyana” de encarar a vida lhe dizia para focar sempre no lado bom das experiências, mas não estava conseguindo jogar “O jogo do contente”.
Revirando, mais uma vez, o pensamento de cabeça para baixo, lembrou-se de que, dias atrás, alguém lhe aconselhara sobre a necessidade de ultrapassar todas as fases da atual situação, pois, só assim, lacraria de fato o dossiê. Mas, o problema é que tal conselho não viera acompanhado de bula, sabe, aquele papel imenso – com letrinhas miúdas – que vem dentro das embalagens dos medicamentos, contendo a prescrição correta, o passo a passo da solução. Então...
Assim sendo, a incógnita ainda permanecia, e o pior é que, volta e meia, a atormentava.
Naquele instante, automaticamente olhou para o céu em busca de uma resposta plausível, porém, ciente da sua sandice, abriu um sorriso insosso e admitiu a si própria que, com certeza, já havia passado pelas tais fases. Seguir em frente era a ordem do dia!
Suspirou profundamente e decidiu acreditar naquele derradeiro pensamento.
Lembrou-se de que, com a entrega de corpo e alma ao trabalho da escola, estava cada dia mais difícil agendar um espaço para os problemas supérfluos. (Risos.)
Será que estava acometida de alguma virose especial? (Mais risos.)
Deixando as gaiatices de lado, se reconhecia, naqueles últimos dias, mais serena. Em seu coração, a gratidão pulsava forte, talvez resultante de um novo aprendizado, onde as opções de novos caminhos se faziam presentes.
Aquela sensação boa de felicidade, e o fato de manter a mente equilibrada, a fazia saltitar. Ensaiou até umas corridinhas.
Quer saber?, pensou, já era chegada a hora de encerrar de vez aquela novela. Dossiê lacrado!
Fechou os olhos e balançou a cabeça, como que para espargir longe os velhos dissabores. Respirou fundo para renovar os ânimos e, para sua surpresa, sentiu um cheirinho de terra molhada no ar. Não demorou muito, e uma garoa fininha começou a cair.
Guardou os óculos e, mesmo sem apreciar banhos de chuva, deixou os pingos caírem livremente no seu rosto. Foi como lavar a alma.
Sentiu-se renovada. Um novo momento acontecia em sua vida. Um outro recomeço!
Com passos ritmados, voltou-se às orações.
Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 10/08/2020


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr