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NOVOS TEMPOS, NOVOS MEDOS


Conversa vai, conversa vem, enquanto nos exercitávamos na hidroginástica, o assunto antes focado na mais nova atividade de voos livres nas praias: asas deltas afixadas em Buggys, foi-se voltando para os medos de brinquedos radicais, muito comuns em parques temáticos.
Cada qual que tinha uma história mais interessante para contar: “Insano”, “Arrepius”, “Montanha-russa de madeira”; enfim, mil brinquedos sensacionais, mas perigosos para a maioria de nós ali presentes.
A partir daí, literalmente, todos os pavores vieram à tona. Uns diziam que sempre foram medrosos, que tinham medo até da Mulher Macaca – que se apresentava na praça do Mercado Central –; outros, nunca se intimidavam com nada, e outros tantos, hoje em dia, pensam duas vezes antes de se submeterem às situações novas.
Diante do assunto, muita conversa surgiu, e só reforçou o conhecimento popular quando nos diz que a sensação de medo nos afasta do perigo e nos protege, bem como, em outras situações, nos leva a enfrentá-lo – quando na defesa de algo em que acreditamos.
Por incrível que pareça, o medo é uma reação normal – e não opcional – diante do inusitado, fazendo-nos refletir antes de seguir; portanto, toda e qualquer situação nova pode, sim, gerar ansiedade e, consequentemente, fazê-lo surgir, e, o que é pior, acompanhado de outros sintomas desagradáveis, causando, às vezes, problemas mais sérios.
Voltando no tempo. Eu tinha medo de dormir no escuro, de pessoas estranhas, de bichos, de altura, de se olhar no espelho em ambientes de penumbra, de nadar, de relâmpagos, de fogo, de ciganos, do primeiro dia de aula, de Saci-pererê, do futuro, de perder algo importante, da velhice, da morte. Enfim, medos.
Alguns desses, fui sublimando aos poucos no meu dia a dia; no entanto, outros persistem ainda hoje. Por exemplo: adoro atividades aquáticas, mas não consigo mergulhar a cabeça nem numa bacia com água. Fico apavorada com a ideia.
Uma coisa é certa, os medos alimentados nos acompanham a vida toda! E, por falar nisso, um dos muitos costumes dos adultos, e que acontece até os dias atuais, é ninar os seus rebentos, cantarolando canções não muito legais. Usualmente, as cantigas de ninar falavam, e falam, de monstros que vão pegar os bebês, caso não durmam, tipo: a Cuca, Bicho-papão, Lobo Mau, Homem do Saco, e por aí vai… Ainda bem que Monteiro Lobato desmistificou a Cuca e outros personagens que tanto assustaram a minha infância!
Acreditem, inúmeros seres são criados enquanto o “soninho” não vem. Porque, diga-se de passagem, ninguém melhor do que as crianças para utilizar com facilidade a imaginação. Exercitei muito a minha. Aliás, nisso eu sou boa até hoje.
Quantas vezes levantei as pernas e as coloquei sob o corpo em cima da cama, poltrona ou cadeira, com medo de que alguma mão sinistra pudesse puxá-las, enquanto ouvia dos adultos histórias de “medo”, que, por sinal, sempre as adorei.
Os contos fantasmagóricos, com aparições anímicas de seres de outro mundo – esses nem te conto... eram os meus preferidos! Mas, quando o medo me apertava, eu desesperava-me ao entrar em quartos ou em ambientes escuros. Fechar os olhos nem sempre resolvia, pois a minha imaginação fértil conseguia materializar vultos e até ouvir vozes do além. E as gargalhadas? Nessas eu nem gosto de pensar.
O real também me causava medos. Aliás, ainda causa.
Quanto choro desperdiçado... Quando praticava, durante o dia, alguma “arte”, e minha mãe dizia: “Quando o seu pai chegar, você vai se ver com ele”. Nossa! As horas não tinha fim de passar. A angústia da espera era cruel. Ficava imaginando como seria o castigo que, às vezes, nem chegava a acontecer, mas o medo durante a longa espera me causava pavor.
Como se não bastassem todos esses seres fantasiosos, soube hoje, a moda dos pais para obrigarem os filhos a ficarem dentro de casa é dizer: “Lá vem um homem numa moto!”
O homem passou a ser o mais temível bicho-papão dele próprio!
Isso é muito sério!
Às vezes é preciso enfrentar os medos e superar os temores. Que tal, vez por outra, dormir no escuro, olhar os relâmpagos sem fechar os olhos, olhar embaixo da cama, olhar-se no espelho, encarar as perdas como um processo evolutivo natural e, acima de tudo, viver o presente o mais presente possível; lutar pela igualdade social, porque, por menor que pareça a sua ajuda, no coletivo, será sempre de bom grado!
Só assim terá valido a pena ter caminhado nesse solo.
Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 12/08/2020


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