Reflexos do meu avesso
Enquanto organizava o quarto, colocando em ordem os objetos espalhados no dia anterior, passei rapidamente em frente ao espelho, porém com tempo suficiente para dar uma olhadinha e observar que ainda estava vestida com a roupa que uso para a caminhada diária.
E, como espelho é espelho – algo magnetizante –, não me contive e voltei para dar mais uma espiadinha. Dessa vez, olhei-me demoradamente. Conferi o meu visual só para constatar que estava cada vez mais difícil perder peso. Já sabia! A balança me mantém informada diariamente. Mas sou perseverante, vou continuar a caminhar, mesmo não gostando desse exercício. Eu preciso!
Ajeitei ligeiramente as madeixas já grisalhas, e ia desviando o olhar, na intenção de voltar as atividades, quando, magicamente, o meu reflexo me fez ficar. Descobri que o meu “arsenal de cosméticos anti-idade” não anda surtindo o efeito desejado. Só para ter absoluta certeza do meu “descobrimento”, aproximei-me um pouco mais do espelho, até o meu rosto quase colar na sua superfície lisa, refletiva e fria. Não gostei do que vi, principalmente porque as marcas vincadas pareciam verdadeiras crateras. Simplesmente assustadoras!
Diante daquilo que representava a real imagem ficou impossível não me lembrar da rainha – bruxa, na historinha da Branca de Neve – “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”
Logicamente, que não me atrevi a repetir tal pergunta, de repente podia ouvir algo desagradável e ficar ainda pior. Mas, como sou brasileira e não desisto nunca, dei umas boas gargalhadas, e isso resolveu, temporariamente, o meu problema! Acho.
Entre um afazer e outro, vez por outra, me pegava frente ao meu “amigo espelho”, descobrindo novas marcas do tempo.
Embora tenha sacudido a cabeça, na intenção de espanar para longe as preocupações inerentes ao meu atual estado estético, ainda assim me encontrava indignada. Em consequência disso, fiquei olhando para o meu reflexo no espelho, mesmo que, com a imagem invertida, pensando se a sua função – a do espelho –, seria apenas essa mesmo, ou seja, alertar as pessoas vaidosas que o tempo não perde tempo!
Às vezes quero crer que sim, pois o uso de espelhos pelas mulheres, remonta aproximadamente ao ano de 6000 a.C., sem contar que o uso dos espelhos d’água para refletir imagens é mais antigo ainda, pois desde que o mundo é mundo se sabe do seu uso.
Dizem ainda que os primeiros espelhos eram de cobre, e foram fabricados na Mesopotâmia. A China passou a fabricá-los com bronze; e, só no ano de 77 d.C., passaram a ser confeccionados com vidro e uma lâmina de ouro em um dos seus lados. Com certeza, nessa época o objetivo era atender apenas a vaidade humana. Posteriormente, o ouro foi substituído por outras substâncias, dentre elas o alumínio e a prata, barateando assim o seu custo.
Antigamente, os móveis, de um modo em geral, exibiam um exagero impressionante de espelhos no seu layout. Eram comuns em guarda-roupas, penteadeiras, cristaleiras, porta-chapéus, etc.
Minhas lembranças me reportam ao período da infância, quando, nos dias de chuva, minha mãe corria de um lado para outro cobrindo aquela infinidade de espelhos, pois dizia que atraiam raios.
Bem, se o espelho, em algum tempo, foi apenas mais um acessório da toalete feminina, não sei; mas, hoje, com certeza, se faz uso deles em inúmeras situações.
Na arquitetura, os espelhos são utilizados para valorizar ambientes, bem como ampliar espaços pequenos. Na arte milenar, da decoração e harmonização de ambientes – Feng Shui –, os espelhos se fazem presentes de forma especial; em alguns dos ramos da Física também presenciamos o uso de espelhos; enfim, não pretendo me estender nesse particular.
O que posso afirmar, com certeza, é que o espelho sempre teve um “quê” de especial na minha vida. Fosse por causa dos medos dos raios, ou quando ainda meninota fazendo caras e bocas e rindo de mim mesma ou, depois, quando jovem, me embelezando para a vida. Ou, como hoje, para conferir minhas medidas e, agora, também as rugas.
Mas é para refletir o meu avesso, que mais gosto dele, ou seja, quando procuro nele o meu “EU” verdadeiro, não apenas a imagem exterior refletida, mas o que sou em essência!
Nada é mais verdadeiro do que a própria imagem refletida no espelho, literalmente.
Quando estiver diante de um, procure ver além do seu reflexo.