Mudei?
Um inocente comentário, sobre uma foto antiga, foi o suficiente para espanar das minhas lembranças a poeira que só o tempo soube acumular ao longo dos anos. De repente me vi abrindo gavetas, revirando o passado, buscando respostas para os questionamentos que já fervilhavam na minha mente.
Natural que tenha envelhecido, até reconheci isso, pois muitos anos se passaram até então. Meus lábios... Ah! Se é que um dia eles foram carnudos, agora são finos, mas acredito que ainda continuem atraentes como outrora. Esse pensamento latejava no meu juízo incessantemente. E, como só a mente consegue, eu fiz uma retrospectiva rápida; e, mentalmente, elenquei uma série de outras mudanças significativas, do ponto de vista estético, que me incomodam.
Balancei a cabeça negativamente, no intuito de afastar temporariamente o problema, pois o momento não permitia tais devaneios, e, sim, o aproveitamento total dos minutos restantes daquela importante reunião.
Mas o assunto seguiu me atormentando durante a tarde toda, estendendo-se até a noite.
Em casa, assim que pude desvencilhar-me dos afazeres domésticos, peguei os álbuns de fotos e comecei a folheá-los aleatoriamente. Percebi, então, que não tenho fotos de minha infância, e a única que encontrei só me retrata já com uns dez anos. Por ser uma fotografia feita com o objetivo de cumprir uma promessa da minha genitora, ela me fez refletir acerca da minha religiosidade, até hoje tão afetada por um fato longínquo.
Continuando a saga observei que a minha juventude também quase não foi retratada. Aliás, naquele tempo, as fotos eram raríssimas – e caras, por sinal –, mas as lembranças estão ainda bem vivas em minha memória. O primeiro beijo me veio logo à tona, talvez porque o motivo daquela busca tenha surgido com um comentário a respeito dos meus lábios. Engraçado, não me recordo de ter ouvido, em nenhuma época, algum elogio a respeito; mas se houve, ficou apenas na intenção. Não era comum se discutir esse tipo de assunto. Existia todo um tabu em se fazer qualquer comentário sobre algumas partes do corpo feminino, ou mesmo sobre sexualidade.
Já meio cansada pela rotina do meu dia, resolvi guardar os álbuns, adiando para outro momento aquela busca sem nexo. Antes, porém, peguei algumas fotos antigas e comparei com as atuais, não foi difícil perceber que: cada tempo tem seu tempo. Lógico que existem muitas diferenças, tanto na estrutura física externa, quanto interna. Convivo, hoje, com as rugas e as mazelas que o tempo se encarregou de presentear-me; no entanto, sou também dona de uma experiência de vida tamanha, que me faz tão especial diante dos meus!
Esboçando um sorriso de satisfação – mais interno que externo –, reconheci que as mudanças fazem parte do processo natural de evolução.
Assim pensando, comecei a recolher as fotos espalhadas à minha volta…
Mudei!