Chuva Nostálgica
Distraída com a digitação de um trabalho, nem percebi a mudança do tempo. Se bem que o mormaço da manhã prenunciava chuva à tarde.
Vou até a janela e percebo, não muito longe, nuvens carregadas, prontas a desaguarem em qualquer paragem.
Será por aqui? Acho que sim! Cruzo os dedos e desejo fortemente que bons ventos a tragam. Estamos carentes de inverno. O ano passado foi excelente, mas esse anda meio devagar.
Fecho os olhos e sinto a leveza dos primeiros respingos baterem no meu rosto.
Que bênção!
Adoro os dias chuvosos, ainda que me deixem um tanto nostálgica. Sinto saudade, mas, por vezes, nem sei de quê… Uma coisa é certa, me lembram principalmente da infância.
Hoje, tanto desejo como gosto da chuva. Quando as nuvens ficam escuras, de tão carregadas, acho perfeito; e digo que o tempo está lindo para chover! Entretanto, nem sempre foi assim. Houve época em que eu dizia o contrário.
Quando pequenina tinha aversão à chuva. Na época do verão, elas vinham acompanhadas de relâmpagos e trovoadas estridentes que me assustavam demais.
Lembro-me de que eram comuns os espelhos externos nos móveis de casa. Cristaleiras, chapeleiras, penteadeiras e guarda-roupas, exibiam lindos espelhos de cristal bisotado.
Quando o tempo se formava para grandes temporais, minha mãe cobria um por um os espelhos, guardava as facas, tesoura. Aliás, nada que contivesse aço, ficava à mostra. Às vezes, escondíamos debaixo da mesa.
Meu trauma de chuva, creio, data dessa época. Quando, em idade escolar, estudava no turno vespertino; ou seja, no verão, tomava sem querer banhos de chuva na volta da escola. Quase toda tarde. Não tinha guarda-chuva, escondia sob a roupa os livros e cadernos, mesmo assim, vez por outra, ficavam encharcados – assim como eu.
Fechava os olhos a cada relâmpago, sabendo que o estrondo viria a seguir e ficava apavorada.
O bom mesmo era quando a chuva dava uma trégua. Corríamos para brincar de barquinho, na correnteza da enxurrada vermelha, no meio-fio da rua lá de casa.
Brincadeiras inocentes que, entretanto, certa vez me renderam umas boas palmadas, ou melhor, sandalhadas. Soltávamos vários barquinhos de uma só vez, e corríamos seguindo a correnteza para ver qual chegaria ao final. Empolgada com o meu que ia à frente, disparado, joguei as sandálias de lado para melhor correr. Simplesmente, elas foram também com a correnteza sem que eu visse. Na hora de voltar para casa, cadê a sandália? Só achei um pé, e foi com ele que eu apanhei de minha mãe.
Uma das muitas lembranças gostosas é dos bolinhos de chuva.
Minha mãe, tentando conter a trinca de filhos, inventava mil coisas para nos entreter. Uma delas, os famosos bolinhos de chuva.
Penso que ela os deixava todo disforme, só para achar graça quando tentávamos nomeá-los de acordo com a aparência de bichos e objetos.
A tarde passava tão ligeira, que, quando percebíamos, já estava na hora do banho.
Novas brincadeiras iam surgindo, até as broncas troarem, pois, após a chuva, com certeza o friozinho aparecia, e os banhos tinham que ser rápidos, se não a água esfriava, e gripávamos.
As noites chuvosas sempre foram deliciosas para dormir, mas o gostoso mesmo era ficar sentadinhos, um pertinho do outro, agasalhados, ouvindo pelo rádio, a novela do “Juvêncio, o justiceiro do sertão”.
Parece até que eu estou ouvindo a canção: “Adeus morena, eu já vou indo pro sertão, se não voltar, deixo contigo o coração”.
Que delícia!
A batida de uma porta me tira dos devaneios e lembranças. O vento que trouxe a chuva entrara pelo apartamento, assoviando pelas frestas.
Vou conferir a janela da lavanderia. Paro na cozinha, olho para fora, céu lindo, carregado. Decido fazer bolinhos de chuva – com sabor e formatos de minha nostálgica infância.