A chuva fina e o friozinho da noite favoreceram um sono gostoso e, consequentemente, o atraso para acordar pela manhã. Teve que, literalmente, correr, para não perder o ônibus do seu horário costumeiro. Entrou arquejando. Assim que a respiração voltou ao normal, agradeceu a Deus por ter conseguido pegar o transporte em tempo.
Como sempre fazia, escolheu um assento próximo à janela, pois adorava olhar o movimento do caminho. A escassez dos transeuntes chamou-lhe a atenção. Contudo, num estalo, lembrou-se de que era sábado, fato esse que justificava a situação.
No banco da frente, duas garotas conversavam sobre o aniversário de outra pessoa. Combinavam o que fazer no dia seguinte. Automaticamente, lembrou-se de que, há pouco, completara os seus vinte anos de vida – sem festa ou qualquer outra comemoração. Um bolo sequer fora feito. A desculpa era sempre a mesma: já estamos tão perto do Natal. Comemoramos tudo numa só vez, certo?
E assim os anos iam passando… Com os olhos marejados, mas com os sonhos da adolescência ainda fervendo no juízo, atarantada, não sabia ao certo o que esperar lá no futuro. Já tinha idade suficiente para namorar, até casar, se fosse o caso, mas como? Seu pai não a deixava sair, a não ser para o trabalho. E, de uma coisa tinha certeza, aquele velho desejo de sair de casa ao atingir a maior idade, que começara tempos atrás, antes dos quinze anos, já não era mais uma prioridade. As proibições do genitor quanto aos passeios, até a incomodavam, mas aos poucos foram deixando de ser motivos de chateações. Por hora, bastava-lhe, o trabalho. Ou não?
Sua rotina era sempre a mesma, semana fechada de segunda a sexta, os dois expedientes, e também no sábado pela manhã; e, nos finais de semana, aproveitava para colocar as coisas pessoais em ordem.
Naquele sábado, como sempre, fora fazer as unhas. Ainda no caminho, encontrou-se com Dona Nilda – sua manicure, dizendo que ia ali, resolver um probleminha, mas voltava logo. Convidou-a a subir no carro. No caminho, comunicou que ia entregar algo, a uma amiga e, na volta, faria as suas unhas.
Chegando ao destino, observou que era um centro de prática religiosa diferente da sua. Diante do altar, não sabia nem a qual santo se dirigir. Ficou toda errada.
Percebendo o desatino da visita, a dona da casa se prontificou logo em oferecer os seus préstimos. Quando deu por si, já estava tomando um passe espiritual.
Em seguida, a pessoa lhe disse que os seus caminhos estavam todos fechados e que era preciso lhe trazer uma galinha totalmente branca, para que ela fizesse os trabalhos necessários de limpeza. Assustada, e sem questionar, concordou. Porém, no caminho de volta, expressou o seu desespero à Dona Nilda, que, na medida do possível, foi lhe acalmando, dizendo que comprasse a galinha, e ela mesma iria deixar na casa da amiga.
Aquele final de semana foi de preocupações! Como comprar essa galinha? Como falar para a sua mãe sobre essa novidade?
Sem delongas, na segunda-feira logo cedo, resolveu contar tudo para a mãe e pediu que ela comprasse a galinha. Tudo resolvido. Lógico que, não sem antes, ouvir um sermão.
O dia não tinha fim de passar!
Chegou à casa procurando pela bendita galinha. A mãe, mais que depressa – ainda se maldizendo, pois rodou todas as avícolas do bairro para encontrar uma galinha totalmente branca, colocou a dita cuja em mil sacos; só não pergunte como, pois, naquele tempo, não tinha supermercados como hoje, e muito menos as sacolas para embalagens. Largou-se feito doida para a casa de Dona Nilda. No caminho, assustou-se com um movimento estranho dentro das sacolas. Todavia, como a galinha voltara a ficar quietinha, prosseguiu.
Sem nenhum comentário, entregou a encomenda e já ia saindo de fininho, quando ouviu o seu nome. Dona Nilda descobriu que a galinha estava morta. Daí, nem é preciso dizer que as suposições foram inúmeras – “Com certeza você está com um problema seríssimo”, “Isso é algum trabalho feito”, “Temos que levar a galinha agora”, “Você tem que ir comigo”, “Você está correndo perigo”. Assustada, consentiu em ir.
Lá chegando, depois do fato relatado – com todos os exageros da Dona Nilda –, a pessoa olhou as acomodações da galinha e deu uma gostosa gargalhada dizendo!
– Minha amiga, a galinha morreu asfixiada! Se me permite, aproveitarei para fazer sopa para os moradores de rua. Não tem nada demais com essa menina. Se eu soubesse que isso traria toda essa confusão, teria sugerido que comprassem comigo. Tenho uma criação só para esse fim!
De pronto, ela aceitou a oferta. Pagou o valor cobrado e agradeceu a atenção. Queria se ver livre daquela situação desagradável.
Não via a hora de chegar em casa e tomar um bom banho e relaxar a mente!
Demorou a pegar no sono.
Ainda hoje ri sozinha ao se lembrar do episódio.
Mas, de uma coisa tem certeza, o sacrifício, literalmente, valeu a pena! Pouco tempo depois, conheceu um rapaz com quem se casou. Coincidência ou não, parece que os caminhos se abriram.