O fim de semana prometia. No domingo, logo cedo, pegamos a estrada com destino a Apodi – cidade do interior do Rio Grande do Norte, onde se localiza o Lajedo de Soledade – Sítio Arqueológico do oeste potiguar –, na Chapada do Apodi.
Conhecer um pouco mais sobre a história da geologia do nosso Estado e também dos nossos ancestrais era um dos objetivos.
Embora já tivesse visitado o espaço, no fim da pandemia do covid-19, estar ali novamente dava a sensação de algo novo. Talvez pela presença de água nas ravinas e um tom bonito de verde na vegetação já se mostrando depois de algumas chuvas. Sem contar com o acompanhamento do guia, pessoa maravilhosa! Abrindo os caminhos e contando um pouco sobre os resultados de estudos dos registros ali deixados, ia instigando e permitindo que o nosso livre arbítrio reinasse nos devaneios diante das pinturas e inscrições rupestres, naqueles espaços rochosos, quase cavernas baixas, nas quais tínhamos que deitar para uma visualização melhor.
Questionamentos sobre o porquê da escolha daquele local para deixarem suas marcas, bem como a suposta utilização do chá de certas raízes de arbustos presentes na região ou o uso do tabaco com fins alucinógenos, foram surgindo ao longo da visitação. Quem sabe, um local apropriado para os seus ritos?
Muitos registros fotográficos foram feitos, afinal revê-los com calma e refletir sobre o significado para quem fez aqueles registros, há milhares de anos, será uma atividade interessante.
Saímos de lá, ainda supondo isso ou aquilo, porém pegar novamente a estrada já estava nos planos primeiros.
O destino agora seria Portalegre – cidade serrana do Rio Grande do Norte –, fundada em 1761, cujo nome está relacionado à cidade de Portalegre na Região de Alentejo, Portugal.
A Cachoeira do Pinga seria um dos pontos a ser visitado.
A escolha da “Pousada Mirante da Serra” não podia ter sido melhor! Local muito agradável, atendimento ótimo, um cardápio variado e uma vista deslumbrante.
Aproveitamos a tarde para visitar a cidade e procurar por amigos que estão residindo por lá. Começamos pela nascente que dá origem à cachoeira: Terminal Turístico da Bica. Bonito, com banho natural, mas merecendo cuidados. Dizem que a primeira estrutura da bica foi feita pelos índios Paiacus.
A seguir, fomos até o Hotel Portal da Serra, que está reabrindo depois de um longo recesso. Dando continuidade ao passeio, perguntando aqui e acolá pelos amigos, descobrimos a residência da amiga Madalena e esposo Chico Pinto – como é conhecido. Foi uma alegria só! Depois de um bate-papo descontraído, resolvemos voltar para a pousada.
Por ser noite de domingo, a pousada estava bem tranquila. Éramos os únicos hóspedes. Contudo, no restaurante, ainda se viam alguns clientes. Ficamos por ali – no frescor da noite, jogando conversa fora e já nos organizando para o passeio da segunda-feira –: a Cachoeira do Pinga e a visita a uma das comunidades quilombola da serra.
A noite foi perfeita! Acordei logo cedo e fui me maravilhar com o ar puro da serra e o espetáculo do sol nascente. Fiquei ali por um bom tempo, depois fui caminhar e desvendar uma estradinha de terra batida, sentindo o cheirinho bom das plantas orvalhadas.
Depois de um bom banho, fomos degustar o nosso desjejum. Simples, porém saboroso!
Como já estávamos com a bagagem arrumada, resolvemos dar uma voltinha no entorno e procurar a comunidade quilombola, próximo à pousada. Pegamos algumas informações e saímos. Estrada de terra batida, uma casa aqui, outra acolá, e nada de chegar ao centro da vila. Já querendo voltar, resolvemos ir um pouco adiante. Foi a melhor coisa. Encontramos uma senhorinha simpática, já com seus oitenta e tantos anos.
Após os nossos questionamentos, confirmou ser ali o “Quilombo Sítio Pêga” ou Comunidade Quilombola da Serra. Lamentando, nos disse que no dia 24 de janeiro a festa de São Gonçalo fora linda! Com danças – inclusive, ela participa –, feirinha com doces e artesanatos feitos por elas, além de produtos da agricultura familiar.
Perguntou o nosso nome várias vezes e dava boas gargalhadas devido ao esquecimento. Quando questionada sobre o nome, nos disse que se chama Antonia, mas que nunca atendeu por ele e sim por “Toiô”. Novas gargalhadas.
Já ciente de que não éramos da cidade e que estávamos hospedados no Recanto da Serra, responsabilizou-se em pedir ao proprietário que nos avisasse quando da próxima festa. Sem que nem porque, falou que a neta estava morando com o dono de lá e que já tinha até um bebê dele – muito lindo, mas que ela tinha muito medo. Curiosa, questionei: “Medo do quê?”
Passando a mão pelo rosto disse: A gente tem medo “mode a co”!
Contestei em poucas palavras, mas percebi em tempo que não adiantaria eu dizer algo contra, quando a realidade deles é outra.
Ainda revoltada, vim lamentando sobre o racismo que ainda assola a humanidade.
Uma senhora que carrega consigo anos de história e memória (ainda que falha) de seus ancestrais ainda temia sofrer por causa da cor (mode a co: por causa da cor). Temia não mais por si, mas pelos seus, que ainda estarão nesse mundo de meu Deus por muito tempo...
Somos o país da miscigenação, da beleza da mistura de culturas, das religiões, das origens mais diversas. Todavia, vemos pessoas que sofrem justamente por isso.
Melhor que as estradinhas, pousadas, e recantos daquele lugar, é o coração de alguns, bem como a capacidade de amar ao próximo, exatamente como ele é – sem ter medo mode a co.