Mais uma vez volto no tempo...
Aliás, tem sido uma constante esses mergulhos nos arquivos tão bem guardados.
Não que a atualidade me seja indiferente. Vivo com intensidade cada momento a mim destinado, gosto de afirmar, inclusive, que cada tempo tem os seus poderes mágicos de nos tocar. No entanto, enquanto me for possível, registrarei os meus prazeres infantis que, só hoje, percebo o quanto foram importantes para a minha formação.
Como um grande quebra-cabeça, minhas lembranças vão chegando aos poucos e se encaixando e, quando menos espero, a figura se forma. Transcrevê-la? É facílimo! Aprendi muito bem a lição, lá no meu primário – quando nos era solicitado “escrever uma estória à vista de uma gravura”. Cada detalhe era observado e cada estória era uma história. Não tinha como não se inserir na gravura.
Mudando de assunto e ao mesmo tempo não...
Assistindo a uma reportagem sobre secadores de cabelo e seus malefícios, fiquei assombrada diante da afirmação do profissional, dizendo que o maior índice de calvície feminina, e quebra de fios capilares, se dá pelo uso constante de secadores com potência alta, ou seja, muito quentes.
A afirmação do profissional me relembrou de que, antigamente, os secadores eram mais simples; no entanto, menos ofensivos. Na minha adolescência – já quase adulta –, adquiri um que parecia mais um acessório de astronautas. Meus irmãos riam muito de mim. Hoje, os fabricantes, preocupados com essa situação de calvície, procuram modernizar cada vez mais a apresentação do produto, mas estão voltando às antigas potências. Uns, acham exagero. Outros, que devemos ter cuidado!
Essa polêmica me levou lá para a década de sessenta. À época, os secadores eram bem diferentes – e só os salões de beleza que os tinham. Os penteados da moda eram os coques simples e trabalhados. Abrindo um parêntese: eu, desde a mais tenra idade, sempre gostei de diversificar minhas brincadeiras. Às vezes, era cantora – o cabo do rodo era o microfone. Fui professora de cadeiras vazias e escrevia com carvão em tábuas. Nesse tempo, o fogo do fogão era alimentado com carvão e servia a mim como giz. Fui dona de casa de mentirinha e de verdade, pois ajudava muito a minha mãe; inclusive, nas costuras. Aprendi, ainda pequena, a casear blusas de pijamas costurados por ela. Meus bordados, eu mesma riscava e bordava com linha de costura, porque não tinha linha própria em meadas, brincava de mocinha – andava na ponta dos pés, fingindo salto alto – e usava óculos com aros de arame e fui cabelereira. Acredite!
As amigas faziam fila, para se aventurar nas minhas mãos de fada. Os meus bobes eram pedaços de mangueira velha de jardim. Os grampos – achados pelas ruas –, muitos deles enferrujados, tinha de esfregá-los com palha de aço. O fixador era o laquê artesanal: breu, álcool e perfume – adquirido às escondidas da minha mãe. Endurecia de um jeito, que, para tirar, era nó cego. Hoje fico imaginando as broncas maternas, sofridas por elas, as amigas. A minha brigava muito!
Tenho certeza de que a temperatura dos secadores, mencionada pelo profissional da entrevista, é menos ofensiva do que a mistura a que eu submetia minhas “clientes” (risos).
O meu trabalho seguia toda uma logística. Logo cedo, lavava o cabelo, enrolava os bobes, cobria a cabeça com lenços feitos de retalhos – ficava um charme só! Não tínhamos secador… Depois de secos é que eu fazia os penteados. Os meus preferidos eram os coques com mechas, mas enfrentava tudo. Uma brincadeira que me fez, até hoje, ter uma atenção especial com meus cabelos.
Brincar de casinha, de cabelereira, de costureira, todas ações que, na verdade, nos preparavam para a vida adulta. Os brinquedos eram bonecas de pano, mini vassouras e rodos, fogões, panelinhas, miniaturas da vida adulta que viríamos a enfrentar – só hoje nos damos conta.
Sempre gostei de inventar brincadeiras com coisas de gente grande. Parece que continuo com essa mania; afinal, hoje, brinco de escritora.
Pense como gosto dessa brincadeira!